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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O Direito à Educação de qualidade e suas implicações

A partir da Constituição Federal de 1988, alterada pela Emenda Constitucional n. 14, de 1996, o ensino fundamental de oito anos , obrigatório dos 07 aos 14, e gratuito para todos, passou a ser considerado direito público e subjetivo. Certamente, esse foi um grande avanço para a educação relativamente às Constituições anteriores. A carta de 1988, assim como sua alteração pela emenda, deixa claro que sendo o ensino público e subjetivo, os governantes podem ser responsabilizados juridicamente caso não o ofe-reçam ou, ainda, o façam de maneira irregular. A nova redação determina, assim, que o direito à educação garanta não só o acesso e a permanência do indivíduo no ensino fundamental, mas, abranja, também, a garantia de um padrão de qualidade, sob o qual deverá se estruturar o ensino.
Contudo, temos, ao longo do tempo, nos deparado com um problema que não pode ser considerado uma questão menor, qual seja, a dificuldade em mensurar “qualidade” de ensino. De início, temos que consi-derar que o termo “qualidade”, em si, já é bastante complexo, devido a sua polissemia, ou seja, a sua capacidade de abrigar vários significados. Dito de outra forma, como medir a qualidade quando se está falando de Educação? Que mecanismos utilizar? Melhorar a qualidade, em educação, significaria investir em pessoal para tornar o mercado brasileiro mais atrativo para o investidor? Ou seria mesmo o desenvolvimento pleno do sujeito, em seus aspectos cognitivos, sociais, psicológicos, enfim, humanos?
Um dos primeiros aspectos tratados pelas políticas públicas de educação, no que diz respeito à qualidade, foi aquela que buscava a democratização do acesso e expansão da escola básica para um número cada vez maior da população. Não podemos nos esquecer que, segundo dados oficiais, em 1920, mais de 60% da população brasileira era de analfabetos. Assim sendo, o primeiro sentido de qualidade estava ligado, intimamente, a uma escola para todos. Por isso mesmo, soam-nos, bastante suspeitos, certos saudosismos que afirmam ser boa a escola de “antigamente”. Intuo que escola boa não é aquela aberta a meia dúzia de alunos selecionados, mas sim, a que tem suas portas abertas a todos; que não discrimina, não exclui e, principalmente, aceita as diferenças!
Já em momento posterior, uma vez já tendo assegurada a presença maciça da população na escola, a qualidade na educação se vinculava à questão do fluxo escolar e sua posterior correção. Nos anos de 95/96, por exemplo, o Brasil apresentava a escandalosa taxa de reprovação de 30,2%.
Minas Gerais, por sua vez, no mesmo período, se sobressaía, liderando, infelizmente, a região sudeste com um percentual de reprovação de 26,0%, contra 25,9; 20,3% e 18,8% do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, respectivamente. Pelas “estradas de Minas” a taxa de DIS (Distorção Idade-Série) alcançava, no ano de 1996, 37,4%.
Tudo indica que foi nesse sentido, de tensionar o problema da evasão, repetência e distorção idade-série que a adoção dos ciclos, da promoção automática, de programas de aceleração da aprendizagem e de correção do fluxo se instituíram no cenário educacional brasileiro. Embora sejam políticas que contem com a reprovação de boa parte dos educadores, parece-me que a dificuldade na efetivação, de fato, dos ciclos, por exemplo, advém, primeiro, da falta de discussão com as famílias, esclarecendo-as da metodologia, pressupostos e diretrizes que o norteiam. E segundo, intuo que a não aceitação por nós, professores, vem mesmo de um ideário neoliberal que naturaliza as práticas odiosas de avaliar, julgar e, em seguida, subjugar o outro.
Por fim, nos dias de hoje o debate acerca da qualidade da educação se dá a partir da instituição de testes pa-dronizados, conhecidos como PROVA BRASIL, SIMAVE e que, no caso da primeira, junto à taxa de promoções forma-se o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Não há dúvida que os descritores da Prova Brasil apresentam qualidade na formulação e que, certamente, há que se assegurar um mínimo comum indispensável no currículo dos alunos para, daí, discutirmos a qualidade de educação. Não faz nenhum sentido, de fato, um professor de língua portuguesa organizar quase todo o currículo do ensino fundamental com ensino de fórmulas estereis e análise sintática, por exemplo. Isso deverá ser estudado, sim, caso algum desses alunos se tornem estudante de letras, mas, enquanto ensino fundamental, essa não me parece ser uma prática pedagógica pautada na linguagem enquanto interação humana.
Por outro lado, não se deve fechar os olhos para os riscos dessas avaliações em larga escala, uma vez que testes não dão conta de mensurar todos os aspectos que envolvem o processo de aprendizagem, como, por exemplo, o impacto que as condições sócioeconômicas e a falta de lazer causam na aquisção dos processos de leitura-escrita. Isso sem falar na desconsideração das múltiplas inteligências que sempre discutimos. Afinal, se o teste é padronizado, não se pode falar em multiplicidade. O “Maria Elena”, nos anos finais, vem cumprindo todas as metas propostas pelo Governo Federal e o seu IDEB, medido em 2009, alcançou 4.2, numa escala de 6.0 a ser atingida até o ano 2.021. Mas, certamente, o que põe a escola nessa situação privilegiada, não são esses testes, mas sim, o compromisso de um corpo docente e administrativo que têm claro o conceito de educação com o qual lidam e no qual não estão incluídas a competição e a comparação. Questões essas que podem ser consideradas riscos em potencial dessas avaliações em larga escala e com os quais se deve estar atento. Na Escola Municipal “Maria Elena da Cunha Braz” parte-se do pressuposto de que talvez a “competição melhore as mercadorias, mas, certamente, piora os homens”!

i Ver, a esse, respeito, a redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009.

Por Maria do Rosário Figueiredo Tripodi
Professora de língua portuguesa da E. M. Maria Elena, doutoranda em Educação pela USP

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